A Duquesa e o Joalheiro e Outros Contos

A Duquesa e o Joalheiro e Outros Contos

Neste volume, a editora Folha de São Paulo nos apresenta três contos da renomada escritora britânica Virginia Woolf. O primeiro deles, A Senhora Dalloway em Bond Street, traz em seu título o sobrenome que estamos condicionados a evocar sempre que se fala da autora. Esta estória, lançada poucos anos antes, é o que podemos chamar de protótipo de um dos livros mais importantes do século XX, Mrs. Dalloway.

No conto, Clarissa Dalloway sai às ruas da capital inglesa com a finalidade de comprar um par de luvas. Ela passeia exultante pelas movimentadas Piccadilly ou Bond Street, emanando familiaridade com as vias, cercanias e transeuntes. Londres é o panorama contemplado enquanto temos acesso gratuito à mente da senhora.

Esse é considerado um experimento da técnica literária fluxo de consciência, a qual Virginia usufruiu e aprimorou ao longo de sua carreira. Em meio ao jorro de pensamentos, adentramos em sua vida privada, suas memórias, conhecemos suas consternações e frivolidades.

Nada realmente acontece. O único objetivo é de fato se deslocar de um ponto A ao ponto B e comprar luvas. Contudo, através dos devaneios de Clarissa Dalloway, a autora evidencia as futilidades do cotidiano, as inquietações de uma dama da classe alta na meia idade e a atmosfera esmorecida do pós-guerra na sociedade britânica. Aliás, o “contágio da mancha lenta do mundo”, expressão tão citada no conto, parece aludir às consequências desastrosas causadas pela Primeira Guerra Mundial.

É um relato simples, mas ao contrário do que se possa pensar, definitivamente é uma obra pretensiosa. Há reflexão e até mesmo densidade temporal, visto que o passado é significativo e se faz planos para o futuro. É a menos expressiva dessa coleção, porém, é um esboço do que nos anos vindouros originaria algo muito mais relevante.

O segundo conto, chamado A Dama no Espelho, e que é mais profundo, possui um aspecto inusitado, uma vez que o narrador é pouco convencional. Nada se conhece acerca de quem está nos relatando a estória e os processos costumeiros que revelam a natureza de quem narra não são seguidos aqui. Tudo indica que seja um objeto pensante, sendo o mais provável o espelho que reflete a imagem da proprietária da casa em cuja parede ele está pendurado.

Isabella Tyson, passeando por seu quintal, é contemplada ao longe pelo reflexo deste espelho. O espelho possui consciência humana e uma notável competência para a introspecção. O objeto reverencia sua dona e detalha lisonjeiramente cada movimento dela. Faz descrições líricas em um nível fotográfico de detalhamento. A empatia que sente é progressiva ao ponto de exaltação. Tudo o que é dito por essa mente de fato não passa de suposições, já que conhece Isabella tão pouco quanto nós.

O conto se inicia e avança discorrendo enfadonhamente as características físicas de Isabella, sua vida social, e prazeres mundanos como a coleção de artefatos excêntricos que adquiriu em viagens mundo afora; e se encerra abruptamente com uma epifania estarrecida do narrador. A mudança inesperada na voz do espelho se deve ao instante em que a mulher se aproxima à uma distância capaz de desanuviar sua real aparência na imagem refletida.

O espelho se torna frio, duro, implacável ao desnudar a personagem. De uma senhora atraente, realizada, viajada e cercada de companhia, converte-se em uma velha arruinada e solitária. Cartas calorosas de amigos e pretendentes não passam de uma pilha de contas atrasadas.

O que acomete Isabella à angústia é incerto. Pode ser a falta de pessoas próximas, a falta de um amor, ou a falta de dinheiro para saldar as dívidas adquiridas com as bugigangas, ou a comunhão de tudo isso. Fica a cargo do leitor ponderar.

A decepção do espelho é tangível. É a metamorfose de um ser extremamente empático à um que não vacila em abraçar o repúdio hostil. Observando de longe, se manifesta com alegria diante da beleza subjetiva, no entanto, sucumbe ao primeiro contato com a realidade concreta.

A mensagem talvez esteja no contraste entre a percepção de beleza, ou quem sabe esteja na crítica ao materialismo para preencher o vazio da vida. A autora leva a estória inteira construindo Isabella para no derradeiro parágrafo desconstruí-la, e é esse mesmo parágrafo que promove valor ao conto.

No terceiro e último conto finalmente temos uma trama. Oliver Bacon, um joalheiro londrino de muitas posses, e sua rotina mundana nos são expostos desde os costumes do café da manhã ao início do ofício em seu escritório.

No primeiro atendimento tem uma questão delicada. A Duquesa de Lambourne num ato de desespero tenciona vender suas joias pessoais a troco de um cheque que quitará suas dívidas com jogo. Seria uma situação muito bem vinda à Oscar, pois a ânsia afobada torna as pessoas menos propensas a avaliar como deveriam, o real valor do que barganham, mas há suspeita quanto a autenticidade das pedras preciosas.

A recusa seria a resolução mais sensata caso não houvesse outro dilema de caráter crucial em evidência. Ao constatar que o joalheiro faz menção de declinar, a duquesa se mostra disposta a ofertar a mão de uma de suas filhas, incluindo um convite ao evento em sua residência repleto de pessoas da mais alta estirpe inglesa. Ao revelar tal preço na permuta, a dama denuncia a perfídia por trás das joias que oferece. Seu preço é o cheque e a promessa de que nada será dito ao duque, seu marido.

Oliver é o retrato da avareza e apesar do dinheiro que detém, não é feliz. Quando pequeno vivia em meio a pobreza. Sobreviveu ludibriando pessoas para ganhar vantagens, assim, pavimentou seu caminho rumo à fortuna. Agora, mesmo sendo um homem de muitos recursos, sente que algo ainda lhe escapa. A vaidade motiva seu maior desejo que é fazer parte e ser aceito na elite social, nem que para isso tenha que comprar uma esposa advinda da fidalguia.

Este último conto é uma contenda de interesses aristocráticos. Um jogo para definir quem será o mestre e quem será o conduzido. Dois apostadores ardilosos que podem alcançar uma associação simbiótica. A Duquesa e o Joalheiro afirma que o fato dos indivíduos estarem inseridos na elite da nobreza, não significa necessariamente que são pessoas nobres.

10 comentários sobre “A Duquesa e o Joalheiro e Outros Contos

  1. Que resenha maravilhosa! ❤
    Me sinto mais inteligente lendo seus textos, rs!
    Infelizmente nunca li nada da autora, mas fiquei encantada com a sua análise sobre cada um dos contos. Contos, aliás, também estão na lista dos menos lidos.
    Adicionando nos meus desejados para adquirir essas novas experiências literárias.
    Grata pela recomendação! Abraços!

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  2. Olá Brunno,

    Excelente texto! Aproveito para lhe perguntar se já teve a oportunidade de ler “As Ondas” da Virginia e/ou os trabalhos de Faulkner – fluxo de consciência feito maravilhosamente.

    Já agora, obrigada pela sua visita lá no “de palavras”. Grata.

    Cumprimentos

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